O Relógio, o Santo e o Homem do Povo
Há histórias que o tempo não apaga, transforma em lenda. E a de Valdemar de Almeida é uma dessas, vivida entre o riso fácil, a fé inabalável e o trabalho honesto que moldou gerações porto-felicenses.
Nascido em 4 de maio de 1926, em Porto Feliz, Valdemar cresceu nos tempos em que a cidade girava ao redor das chaminés da Usina de Açúcar União São Paulo, uma das mais importantes do Brasil. Era a usina que fazia o vapor subir e a economia acontecer, junto da Tecelagem Nossa Senhora Mãe dos Homens, dois pilares da vida operária que sustentaram o progresso da cidade por muitas décadas. Foi ali que ele trabalhou durante toda a vida, até se aposentar, com a dignidade de quem fez do suor o próprio legado.
E foi nas voltas que os jovens de sua época davam na praça da Matriz que o destino lhe apresentou Romilda Ferraz de Almeida, sua companheira de vida, fé e luta. Casaram-se e criaram dois filhos, Wilson, conhecido como Pipa, e Vanilda, construindo juntos uma história feita de sacrifícios e conquistas. A casinha simples na Rua Albertin, com seus três cômodos, foi sendo ampliada pouco a pouco, tornando-se um símbolo concreto do esforço de uma família que acreditava no trabalho e na união.
Mas Valdemar não se limitava ao lar ou à fábrica. Ele era presença ativa nas festas, nos campos e na fé do povo. Presidiu o Esporte Clube União, animou os jogos e ajudou a manter viva a chama esportiva da cidade. Ao lado de Romilda, foi membro do grupo dos Formiguinhas, comunidade religiosa ligada à Igreja de São Benedito que recolhia latas, papelão e doações para ajudar nas obras e eventos da igreja. Durante as tradicionais Festas de Agosto, o casal cuidava da barraca de espetinhos, sempre cheios de gargalhadas e boa conversa.
Foi desse espírito engajado e bem-humorado que nasceu um dos episódios mais famosos de sua vida: o lendário “sequestro” do santo. Em um gesto simbólico, os Formiguinhas transferiram a imagem de São Benedito da Igreja Matriz para a sua capela, numa ação que misturava fé, protesto e alegria popular. A cidade inteira comentou, e Valdemar virou parte viva do folclore portofelicense como o homem que desafiou o temível Cônego Padre Ghizzi sem medo!
Mas o auge de sua trajetória veio em 1985, quando Porto Feliz parou diante da televisão para vê-lo participar do programa Porta da Esperança, de Silvio Santos. O pedido? Um relógio para a Igreja de São Benedito. E conseguiu! O momento, assistido com emoção por toda a cidade, marcou a consagração pública de sua devoção e de seu amor pela comunidade. Valdemar voltava de São Paulo como um herói simples, levando consigo o símbolo do tempo, o mesmo tempo que ele sempre usou a favor da fé e do bem coletivo.
Faleceu em 23 de dezembro de 1987, vítima de um infarto, nos braços de sua esposa Romilda, encerrando uma vida que foi, do começo ao fim, um testemunho de amor. Marido exemplar, pai dedicado, amigo leal.
A igreja de São Benedito guarda em sua torre um pouco do riso e da determinação de Valdemar. Sua memória permanece viva na lembrança do povo, no cheiro do churrasquinho das barracas em dias de festas, nas histórias que atravessam gerações e no relógio que ainda marca o tempo de uma fé construída com o coração. Porque gente como Valdemar de Almeida não passa: permanece.

