Charles

Renato Pires

Biografia

O Seresteiro que Afinou Porto Feliz com o Coração

Renato Pires nasceu em Porto Feliz, no dia 30 de janeiro de 1939, num tempo onde o rádio ainda era a principal atração das salas e os seresteiros eram os verdadeiros influenciadores da madrugada. Filho de Floriano Pires e Dolores Sampaio Pires, ele cresceu ouvindo o batuque da época misturado ao compasso das valsas e dos boleros que embalavam a cidade.

Mas o destino não quis que Renato fosse muito mais que um boêmio. Quis que ele fosse “Charles”, apelido aportuguesado, nascido da admiração pelo cantor Benito de Paula e, sobretudo, pela canção “Meu Amigo Charlie Brown”. O nome pegou, e o homem também: Charles virou personagem querido da vida noturna porto-felicense, dono de risadas fáceis, charme incomparável vestido de terno alinhado e uma caixinha de fósforo que fazia mais ritmo que muitos tamborins.

Proprietário da lendária lanchonete A Baiúca, bem no coração da cidade, Charles fez do balcão um confessionário e do copo de cerveja um convite para a amizade. Sexta-feira era dia sagrado: depois de fechar o comércio, os amigos se reuniam na Baiúca e saíam em cortejo pelas ruas: violão, timba, afoxé e poesia, levando serenata a quem tivesse sorte de ter uma janela e um coração aberto.

Charles era desses boêmios de alma limpa, que viam na música o dom de aproximar os mundos. Mesmo com o tempo passando, manteve a mesma chama acesa: já na terceira idade, era figura cativa nos botequins da cidade, sempre afinado com a vida e desafinado com a pressa.

E quem o conhecia bem sabia: Charles também era protagonista de histórias que misturavam humor e espanto; como naquela memorável noite em que, voltando para casa, deu de cara com um leão e um burrinho na porta. Diz a lenda que a Barra Funda inteira viu Charles correr de volta para o Clube Recreativo sem olhar para trás. Os murmúrios ainda falam das traquinagens dos meninos da Barra que, alterados pela bebida, foram impedidos de entrar no circo e, então, decidiram abrir as jaulas dos bichos. O fato é que o circo pode ter perdido alguns animais, mas Porto Feliz ganhou uma anedota eterna.

Depois do fechamento da Baiúca nos anos 80, Charles trocou o balcão do bar pelo balcão da burocracia: passou em concurso público e trabalhou por cerca de vinte anos no Ministério do Trabalho, assinando milhares de carteiras e ajudando muita gente a começar a própria história.

De alma leve e elegância rara, Charles também viveu um grande amor: Dona Janete, com quem foi casado por meio século. Juntos, criaram duas filhas,Valéria e Adriana, que herdaram o riso fácil e a doçura no olhar do pai.

Renato Pires, o eterno Charles, partiu em 16 de outubro de 2013, aos 74 anos, depois de lutar bravamente contra o câncer. Mas seu rastro ficou nas madrugadas seresteiras que ainda ecoam, nos copos brindados em sua memória, e no coração de uma cidade que aprendeu com ele que a vida é melhor quando tem música, amizade e um toque de poesia.

Um brinde, Charles que lá no céu, certamente, continua afinando a caixinha de fósforo ao compasso das estrelas.

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