Autista Amarrado no banheiro: Negligência ou Crueldade?

Autista Amarrado no banheiro: Negligência ou Crueldade?

Saúde

Recentemente duas notícias impactaram o Brasil. Essas situações, à primeira vista, parecem desconexas, mas têm muito em comum: a vida de crianças autistas e o despreparo da sociedade para subsidiar condições mínimas de equidade.
 
A primeira delas: uma criança de 4 anos foi encontrada amarrada dentro do banheiro de uma creche. Sim, amarrada, como um animal selvagem. Como um “problema” a ser contido, não um ser humano a ser acolhido e compreendido. 
 
A segunda: uma menina de 11 anos que caiu em um cânion do Rio Grande do Sul e fatalmente faleceu. Uma tragédia, sem dúvida. E quantas pessoas se perguntaram: como uma criança com autismo estava em um local de risco sem a supervisão adequada? Ou ainda levantando outras questões como: onde estava o suporte? Onde estava a estrutura que deveria existir para que ela e sua família pudessem viver com segurança? 
 
Uma saída, um passeio, uma tentativa de respirar, como tantas famílias tentam fazer para não sucumbir à exaustão. E ela se vai, a internet julga e os “especialistas de sofá” dizem o que fariam, sem nunca terem vivido 24h com a sobrecarga física e emocional de cuidar de uma criança que não encontra acolhimento em quase nenhum espaço público.
 
Enquanto as pessoas “especialistas da internet” buscam culpados, pais e mães de autistas enlouquecem silenciosamente, vivendo um profundo esgotamento físico e mental por noites sem dormir, por escolas que não os querem, por políticas públicas que não existem, por olhares julgadores em locais públicos quando a criança tem uma crise sensorial. A sociedade cobra deles “controle”, mas nega-lhes apoio, terapia e inclusão efetiva. 
 
As escolas, em sua grande maioria, não estão preparadas. Professores não recebem formação e qualificação adequadas, auxiliares são raros, e a “solução” muitas vezes é excluir, segregar e amarrar. Porque é mais fácil imobilizar uma criança do que investir em capacitação, em estrutura, em humanidade. 
 
Quanto aos pais? Ah, os pais… São chamados de “superprotetores” quando lutam pelos seus direitos, são vistos como “exagerados” quando reclamam da falta de suporte, e  deixados à própria sorte até o momento em que a negligência alheia vira tragédia. Impossível desconsiderar a banalização das necessidades terapêuticas, minimizando a importância urgente das intervenções especializadas.
 
É preciso dar um basta em questões tão óbvias, como por exemplo tornar  lei o que já deveria ser lógico, dar prazo indeterminado a laudos de pessoas no espectro, mas vamos parar e refletir um segundo, se uma criança nasce no espectro e estará dentro do mesmo até o fim dos seus dias, não chega a ser ridículo ter que existir uma lei para formalizar um direito. 
 
Não é “problema” deles, é problema nosso, como sociedade. Enquanto crianças forem amarradas em banheiros, enquanto famílias forem abandonadas à própria sorte, enquanto  o autismo for tratado como “caso perdido” e não como vida que merece dignidade, estaremos falhando feio. 
 
Precisamos exigir mais, dos governos, das escolas e de nós mesmos. 
 
Porque nenhuma família deveria ter que chorar uma morte evitável. E nenhuma criança deveria ser tratada como um fardo. 
 
Não é acidente. Não é fatalidade. É adoecimento social.
 
Os casos citados não são exceções trágicas. São sinais visíveis de um sistema invisível e cruel. Um sistema que romantiza a inclusão na teoria, mas tranca a criança no banheiro na prática. Que fala em direitos, mas aponta o dedo para a família que já está saturada pela ausência de tudo.
 
A neurodiversidade ainda é tratada como defeito. Como problema. Como “isso não é pra mim”. E o preço está sendo pago com a vida de crianças e a sanidade de famílias inteiras. Quem cuida de quem cuida?
 
Até quando o Estado vai terceirizar o cuidado, empurrando para os pais o peso de carregar um sistema inteiro nas costas? Até quando vamos fingir que a culpa é da família? Que foi um “erro individual”? Que foi “negligência”? Não. É abandono institucionalizado.

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