As Antigas Farmácias de Porto Feliz: Entre Fórmulas, Afeto e História.

Cidade

Do balcão de madeira ao atendimento automatizado, conheça a trajetória das primeiras farmácias da cidade

Uma Fórmula Esquecida

 Nas primeiras décadas do século XX, as farmácias de Porto Feliz não eram apenas pontos de venda de medicamentos. Eram verdadeiros centros de cuidado, convívio e confiança. Estabelecimentos que sensibilizavam tanto pela estética com seus frascos trabalhados, ânforas harmoniosas, mobílias em madeira torneada, quanto pela funcionalidade dos objetos e pela presença calorosa de seus profissionais.

Era nesse cenário que o farmacêutico surgia como uma figura central: conselheiro, curador, às vezes substituto do médico. Um profissional respeitado, de jaleco branco, que dominava a manipulação de fórmulas e conhecia, como poucos, as necessidades da população. As farmácias eram, muitas vezes, locais de debate político e encontros sociais. Um universo que a agitação da vida moderna acabou substituindo por um modelo mais prático, porém mais impessoal.

O contraste com os dias atuais

Hoje, ao sair do trabalho, você passa na farmácia, pega o que precisa na prateleira, paga com cartão e leva um folheto de promoções. Rápido, eficiente, funcional. Mas distante do vínculo que existia entre o farmacêutico e o cliente.

No passado, medicamentos eram manipulados manualmente, embalados em papel vegetal, com fórmulas muitas vezes criadas ali mesmo, na tentativa de responder a epidemias e doenças. A farmácia era viva, artesanal e humana. Com o avanço da indústria farmacêutica, houve uma valorização da produção em massa e, infelizmente, uma queda no reconhecimento do profissional da farmácia, que perdeu protagonismo diante das grandes redes e do modelo de automedicação.

As primeiras farmácias de Porto Feliz

Farmácia Nossa Senhora

Farmácia Nossa Senhora (1912 - 2009)

Consta, no Acervo Histórico e Municipal Sérgio Buarque de Holanda (Biblioteca de Porto Feliz), um livro com o título Pharmacia Nossa Senhora – Torres e Filhos, de propriedade de Joaquim Agostinho Torres, cujo farmacêutico era Aristides Valentim Torres, seu filho. Os receituários encontrados datam de 1912, sendo esse o registro mais antigo que se tem notícia sobre farmácias em Porto Feliz.

O que se perde no tempo é se Joaquim foi de fato o primeiro proprietário — e, portanto, o fundador da farmácia — ou se, antes dele, outros já haviam exercido essa função. Há uma dúvida recorrente na cidade sobre essa farmácia, já que ela mudou de local diversas vezes, o que fez com que muitos passassem a acreditar que a Farmácia Nossa Senhora não era originalmente da família Torres — que, por sua vez, teria tido uma farmácia própria.

Segundo Cláudio Torres, filho de Floriano Torres e sobrinho de Aristides, a farmácia de seu tio funcionava na Rua André Rocha. “Além de assinar pela farmácia da cooperativa na época, ele também teve uma farmácia que funcionava no prédio do antigo Bazar Paulista, na Rua André Rocha”, comenta.

Outro registro de mudança data de 1929, quando Joaquim comprou um terreno ao lado da Praça da Matriz, onde hoje funciona a Padaria São João. Ali, construiu o prédio para onde transferiu a farmácia. Anos depois, acredita-se que a farmácia tenha retornado à Rua André Rocha, possivelmente devido à inauguração da Farmácia São José (futura Farmapires), localizada na Rua Draco de Albuquerque. O casarão da Praça da Matriz acabou sendo demolido, dando lugar ao prédio atual, que também abrigou o Cartório da Família.

Muito conhecida na segunda metade do século passado como Farmácia da Balança — por ser a única da cidade a possuir balança de pesagem — a Farmácia Nossa Senhora é outro estabelecimento cuja data de fundação se perdeu no tempo e nos registros. Ainda assim, acredita-se que tenha sido a primeira farmácia da cidade de Porto Feliz.

Depois de Joaquim Torres, a farmácia passou por diversos proprietários: Nelson Antunes (pai do vereador José Eud Antunes), Luís Thomé, Chico Palma e, por fim, José Quirino Schettini — o “Zé da Farmácia” — que a dirigiu por mais de 50 anos.

Zé relata que, na época, donos de farmácia com mais de 15 anos de experiência podiam assinar como farmacêuticos. Mesmo assim, ele fez o curso prático de Farmácia, requisito necessário para assinar como responsável. “Há 50 anos, fazia-se de tudo. Pequenas operações, lavagem de ouvido e até partos eram realizados nas farmácias. O médico mais próximo ficava a 70, 80 km. Então, a comunidade local precisava se virar para suprir essa carência. Eu não fazia partos, mas conheci muitos que faziam. Só encaminhávamos ao médico quando não havia outra saída. Com o crescimento da cidade e o surgimento de mais médicos, essas práticas foram diminuindo.”

A Farmácia Nossa Senhora também enfrentou a transição da antiga prática humanizada para a modernidade comercial — o que acabou determinando sua venda, por não se adaptar às novas normas mais mecânicas e impessoais. “Naquela época, a pessoa te tratava diferente. Você era um amigo, um confidente. As pessoas nos respeitavam e vinham, muitas vezes, só para conversar ou fazer uma visita com a família toda”, lembra Zé, com saudades. “Quando você atendia uma criança e ela ficava boa, a mãe ficava maravilhada, e às vezes até trazia um bolo para a gente.”

A procura pelas farmácias era comum, principalmente em práticas de automedicação. Muitos clientes já sabiam o que queriam. “Xaropes para tosse, vitaminas para crianças que não comiam… Tudo isso o próprio cliente pedia. E era muito gratificante atender”, comenta Zé. “Mas também era complicado. Existe um ditado que diz que criança até um ano é como passarinho: você nunca sabe o que pode acontecer de um segundo para o outro. Então, era preciso muito cuidado.”

Por morar acima do estabelecimento, Zé da Farmácia também atendia durante a noite. “Não tinha hora. E eu tinha muito prazer em ajudar todo aquele que batesse à minha porta.”

A grande diferença entre o passado e hoje está no atendimento e nas relações humanas. A Farmácia da Balança se destacava por sua localização central, pelo bom relacionamento com os moradores e pela recepção calorosa que recebia da comunidade. “Só tenho a agradecer à população. Foi muito gratificante.”

A farmácia encerrou suas atividades em 2009, quando foi vendida e sua razão social alterada. Atualmente, ela se chama Porto Farma e funciona em outro endereço.

Muitos funcionários da antiga Farmácia Nossa Senhora seguiram carreira na área farmacêutica. É o caso de Bertinho, irmão de Zé, que hoje trabalha na Drogaria Sampaio; Evandro Tempesta, atualmente na Drogaria do Roberto, em Itu; e Carlinhos Sampaio, pioneiro ao trazer uma franquia de farmácias para a cidade — a Farmais.

Mas quem mais se destaca é Anderson Segatto, que criou a rede Drogarias Segatto, hoje com quatro lojas, cada uma dirigida por um irmão da família.

“Sinto muita saudade daquele tempo. Antigamente, o atendimento era mais humano. Hoje é tudo muito mecânico. Só tenho a agradecer por ter tido a honra de trabalhar com dois excelentes profissionais da farmácia antiga: Eliasar e Zé. Com eles, aprendi a honestidade e o caráter — valores que me ajudaram a criar a rede Drogarias Segatto”, conclui.

Alvará de Licença da construção do prédio onde se mudaria a Farmácia Nossa Senhora.
Nelson Antunes, pai do ex-vereador José Eud Antunes, se formou farmacêutico em 1935 e foi um dos proprietários da Farmácia Nossa Senhora.
Fachada da casa de Zé Schettini onde funcionou a farmácia Nossa Senhora até ser vendida.

Farmácia da Usina - 1952

A Farmácia da Cooperativa, conhecida também como Farmácia da Usina, foi fundada para atender exclusivamente os cooperados e trabalhadores da Usina de Açúcar de Porto Feliz. O farmacêutico responsável era Aristides Valentim Torres, filho de Joaquim Agostinho Torres, dono da primeira farmácia da cidade, a “Pharmácia Nossa Senhora – Torres e Filhos”, com documentos datados de 1912.

Aristides Torres, após se formar farmacêutico, cuidava das duas farmácias: a do pai e a da cooperativa. Depois, a farmácia da família foi vendida, ficando Aristides responsável apenas pela farmácia da cooperativa, que fechou suas portas antes mesmo do encerramento das atividades da usina, e poucos registros foram preservados.

Antonio Antunes Campos, conhecido como Tico, começou a trabalhar nessa farmácia da cooperativa aos 15 anos, desde a sua inauguração em 1952, como aprendiz de Aristides. Ele lembra que ajudava na limpeza e aprendia fórmulas, anotando tudo em um caderno, até se tornar um oficial de farmácia. Recebeu a cadeira onde sentava o fundador da primeira farmácia da cidade como uma herança simbólica, que guarda até hoje.

Durante seu aprendizado, Tico foi preparado para tirar o diploma de Oficial de Farmácia, pois na época não existiam cursos formais no Brasil, precisando de atestados de farmacêuticos e do delegado de polícia para comprovar sua qualificação e bom comportamento.

Assim, a Farmácia da Cooperativa funcionava como um importante ponto de atendimento para os trabalhadores da usina, ensinando e formando profissionais locais, mas acabou desaparecendo junto com a própria usina, deixando poucas memórias registradas.

Na foto, da esquerda para a direita: Aristides Valentim Torres (farmacêutico responsável); Antonio Antunes Campos (auxiliar de farmácia) e Alcides Scarso, conhecido como “Foguinho” (escriturário).
Antonio Antunes (Tico da Farmácia) começou a trabalhar na Farmácia da Cooperativa aos 15 anos de idade.

Farmácia Santo Antônio (1926 - 1968)

A história da família Maurino em Porto Feliz começa com a chegada de José Maurino, avô de Cecília Maurino, justamente no dia da Proclamação da República — 15 de novembro de 1889. Por não saber ler nem escrever, José fez questão de que seus seis filhos estudassem.

Domingos Maurino, um de seus herdeiros, foi um dos primeiros a se formar no grupo escolar Coronel Esmédio. Mais tarde, estudou no Colégio Arquidiocesano, na Vila Mariana, em São Paulo, e depois ingressou na Faculdade de Farmácia de Itapetininga, onde se formou em 1924.

Após se formar, Domingos abriu sua primeira farmácia em um antigo casarão (onde hoje funciona a Diagsom), com apenas dois cômodos: um destinado ao laboratório — já que os medicamentos eram manipulados — e outro para o atendimento ao público.

Em 1926, casou-se com Annacyra Torres Maurino, em uma cerimônia celebrada pelo Dr. José Sacramento e Silva. Juntos, tiveram seis filhos. Pouco tempo depois, Domingos construiu a Farmácia Santo Antônio, na Rua Altino Arantes, onde permaneceu até o encerramento de suas atividades, em 1968. As mobílias e os objetos de manipulação permanecem no local até hoje.

Domingos contava com o auxílio de dois práticos em farmácia: Humberto Diniz, que, após o fechamento da Farmácia Santo Antônio, foi trabalhar na antiga Farmácia do Engenho, e Eliasar de Campos, que mais tarde abriu sua própria farmácia — hoje conhecida como Farmácia Municipal Eliasar de Campos.

Cecília Maurino, filha de Domingos, lembra que ela e seus irmãos também ajudavam na farmácia. “Nós tínhamos 12 anos e ajudávamos no atendimento à população. Não manipulávamos, mas vendíamos remédios e ervas para chá. Meu pai fechava a farmácia às 20h, porque amigos e outras pessoas vinham conversar toda noite. Logo na entrada, havia um banco grande onde eles se sentavam para bater papo até a farmácia fechar”, relembra.

Segundo Cecília, muitas pessoas procuravam seu pai para pedir indicações de remédios. “Quando era algo simples, ele vendia. Mas, ao perceber que se tratava de algo mais sério, indicava os médicos, como o Dr. Sacramento e o Dr. Célio Pires.”

A Farmácia Santo Antônio também vendia muitos produtos hoje incomuns nesse tipo de comércio. “As ervas eram muito bem acondicionadas em potes bem tampados, que vendíamos para fazer chá. Tinha também um pó branco chamado ‘Raspa de Veado’, que as mulheres compravam após terem bebês”, conta Cecília, com saudade.

“Outro produto muito procurado era a água mineral, pois, na época, ela não era vendida em mercados nem armazéns. Vendíamos também perfumes franceses, sabonetes em caixas para presente e tintura de cabelo. Um fato curioso foi quando meu pai fabricou, nos fundos do quintal, um remédio para tosse chamado Thiopulmol, que era muito procurado”, revela.

Domingos Maurino trabalhou por 44 anos na Farmácia Santo Antônio, até seu fechamento, em 1968. Faleceu em 5 de outubro de 1979.

A Farmácia Santo Antônio continua intacta, desde 1968.
Anotações da época encontram-se preservadas no mesmo local dentro do imóvel
Frascos e receitas de medicamentos escritas a mão ainda estão lá.
Eliasar de Campos e Domingos Maurino na porta da Farmácia Santo Antônio

Farmácia Martelli (1916 – 1996)

Segundo Sibele Martelli, a Farmácia Martelli foi fundada em 1916, adquirida por Amadeu Martelli de um proprietário anterior, cujo nome não se tem registro. Após Amadeu, Alice Martelli e Luis Geraldo (Zito) Martelli deram continuidade ao negócio.

Um dos funcionários mais marcantes que passaram pela farmácia foi Geraldo Guilargucci, que trabalhou por 60 anos no estabelecimento. “Outros funcionários que também tiveram seus nomes perpetuados na história da farmácia foram: Gilson Luis Martelli, Rafael dos Santos, João Montico e Valkir Mendes”, relembra Ênio Martelli, que também atuou por 15 anos no local.

Ênio conta que a relação entre o atendente da farmácia e o cliente era de amizade e fidelidade. Sua irmã Sibele, que não trabalhava diretamente no estabelecimento, mas fazia parte da dinâmica familiar, também lembra que o atendimento à população seguia até de madrugada. Os clientes batiam na porta a qualquer hora da noite em busca de medicamentos, já que não existiam plantões de farmácias na época.

O atendimento em domicílio também era uma prática bastante comum. “Íamos até a casa do cliente muitas vezes apenas para aferir a pressão ou aplicar injeções, prática permitida naquele período”, explica Ênio, que aprendeu com a experiência e manteve essa tradição passada por seu avô, Amadeu.

A Farmácia Martelli encerrou suas atividades em 1996, numa época em que as redes e franquias começaram a invadir a cidade com um atendimento mais industrializado. “Hoje, o atendimento é muito formal e não há tanta amizade com o cliente como antigamente”, finaliza.

Alice e Luiz Geraldo Martelli no balcão da farmácia em 1971

Farmapires (1955 - 2011)

O registro mais antigo desta farmácia data de 1955, quando Aparício Pires, juntamente com mais dois sócios, comprou a farmácia — anteriormente chamada Farmácia São José — de seu antigo proprietário, Geraldo Pires de Almeida (irmão do Dr. Antoninho).

A Farmácia São José funcionava na Rua Draco de Albuquerque, onde hoje está localizado o Frangolândia do Zelão. Posteriormente, foi transferida para a Rua Altino Arantes, período em que Geraldo se converteu ao comunismo ateu e alterou o nome do estabelecimento para Farmácia da Cidade, permanecendo nesse local até o encerramento de suas atividades, já com o nome de Farmapires.

Aparício Pires era proprietário de uma farmácia em Capão Bonito (SP). Com a Revolução de 1932, mudou-se para Porto Feliz, onde passou a atuar como gerente da Farmácia São José. Mais tarde, adquiriu a farmácia junto a dois sócios — coletores federais que, por motivos profissionais, não podiam ter seus nomes nos registros oficiais.

Em 1957, Aparício comprou a parte de seus sócios e tornou-se o único proprietário do negócio.

Seu filho, Luiz Antonio de Carvalho Pires Neto — mais conhecido como Neto Pires — começou a trabalhar na farmácia em 1966. Com o adoecimento do pai, em 1970, Neto assumiu a gestão da farmácia da família, permanecendo à frente da empresa até seu encerramento em 2011.

O funcionário que mais marcou a história da farmácia foi José Cesar Paes de Almeida, o Césinha. “Todos os funcionários que tivemos foram pessoas boas e ótimos profissionais, mas o que mais marcou foi o César, que já era funcionário do meu pai e dedicou sua vida à farmácia”, comenta Neto.

Família Pires no dia em que recebeu um prêmio da Colgate, durante uma promoção realizada pela farmácia. De terno branco, Neto Pires.
Geraldo Esmédio, ao lado do senhor de chapéu, acompanhado da irmã Mocica e do irmão Dr. Esmedinho, em frente à Farmácia São José.

Farmácia do Eliasar (1958 – 2006)

Fundada por Eliasar de Campos em 1958, a farmácia Nossa Senhora Aparecida — primeiro nome do estabelecimento — foi, durante décadas, uma das mais procuradas pelos moradores da cidade. Eliasar começou a trabalhar aos 9 anos de idade, tendo como mentor o farmacêutico Domingos Maurino, na Farmácia Santo Antônio. Ali, adquiriu profundos conhecimentos na manipulação de fórmulas e no preparo de medicamentos. Por isso, aliado ao carisma marcante, Eliasar transformou sua farmácia em um verdadeiro “posto de saúde”, onde as pessoas o procuravam para tudo, inclusive para pedir conselhos.

Eliasar era visto como um verdadeiro “médico do povo”, atendendo a todos sem distinção. “Quem não tinha condições de pagar pelo medicamento, ele não cobrava”, conta Nádia Maria de Campos, sua filha.

A necessidade e o desejo de continuar atendendo legalmente a população o levaram a cursar Farmácia. Com os conhecimentos já adquiridos na prática, passou a ser reconhecido como um doutor na cidade. “Ele era um pastor, conselheiro, padre, médico… era tudo para o cliente, na época em que trabalhamos juntos”, relembra Benedicto Flávio de Campos, o Tico, irmão de Eliasar, que trabalhou por 43 anos ao seu lado.

Naquele tempo, a cidade enfrentava grande carência de médicos, e a procura pelas farmácias era uma forma acessível de cuidar da saúde. “O povo confiava no farmacêutico, que muitas vezes se confundia com a figura de um curandeiro. Além de preparar fórmulas e pomadas para isso e aquilo, fazia suturas, aplicava pontos, soros, medicamentos intravenosos… e o paciente saía curado”, explica Tico, que aprendeu tudo na prática.

Apesar das leis proibitivas da época, a fiscalização era pouco frequente. A relação entre médicos e farmacêuticos era vista como saudável, pois evitava a sobrecarga dos Postos de Saúde e da Santa Casa. “Antigamente, o farmacêutico indicava o remédio como se fosse de fato um médico. E, na dúvida, ligava para algum médico, que auxiliava por telefone no atendimento”, conta.

A Farmácia do Eliasar funcionava além do horário comercial, o que também contribuía para sua popularidade. “Trabalhávamos até altas horas da noite e, muitas vezes, nem parávamos para jantar. Era um trabalho árduo, mas muito gratificante.”

Tico também relata a transição entre a farmácia tradicional e o modelo atual. “Antigamente, éramos considerados doutores. Usávamos roupas brancas como médicos e transmitíamos a ideia de que sabíamos tudo sobre as doenças e seus tratamentos. Hoje, as farmácias se tornaram apenas fornecedoras de medicamentos, nada mais.”

Eliasar foi um homem apaixonado pela profissão. “Meu pai criou muitas fórmulas que ficaram famosas na cidade. Ele acordava todos os dias às 5h30 para preparar suas manipulações. Às 8h, já havia fila esperando a farmácia abrir”, recorda Nádia.

Eliasar faleceu em 25 de maio de 2005, e a farmácia encerrou suas atividades em fevereiro de 2006, quando ainda contava com o atendimento de seus dois filhos, Claudinei e Nádia. Tico havia deixado o negócio 12 anos antes. Atualmente, no mesmo local, funciona a Farmácia Municipal, que leva o nome de seu fundador.

Eliasar de Campos e sua esposa Anunciação
Tico, irmão de Eliasar, foi o funcionário que mais marcou a farmácia.

As mudanças na farmácia ao longo do tempo

Fachadas luminosas, ambientes modernos, balcões e gôndolas em tons claros, além de sistemas de self-service, são algumas das características das farmácias dos nossos dias. Nelas, os medicamentos tornaram-se apenas mais um entre os muitos artigos oferecidos. Há muito tempo, a saúde deixou de ser a razão principal de existência da farmácia.

Aquela farmácia artesanal — marcada por sua arquitetura simples, mobiliário característico, objetos tradicionais e, sobretudo, pela relação íntima entre o farmacêutico e os moradores — ficou no passado. Permanece agora como memória, algo a ser preservado e contado às próximas gerações.

As farmácias e drogarias atuais são frutos de uma transformação ditada pela indústria farmacêutica, orientadas por estratégias de mercado e pelo marketing. A enorme variedade de produtos, aliada a espaços planejados para o autoatendimento, contribuiu para o distanciamento do calor humano que antes definia o relacionamento entre farmácia e cliente.

Hoje, o farmacêutico permanece presente no ambiente da farmácia, mas muitas vezes atua nos bastidores, responsável pela supervisão da circulação de medicamentos e pelo controle de substâncias psicotrópicas. O contato direto com o público, outrora fundamental, tornou-se mais raro.

Apesar disso, há um movimento em direção a um novo propósito: promover a saúde por meio de uma relação personalizada e de confiança entre médico, farmacêutico e paciente. Alcançar esse ideal pode significar resgatar, em essência, o modelo tradicional do início do século passado — onde o cuidado, a escuta e o vínculo humano eram o verdadeiro remédio.

Matéria publicada na Revista Bemporto Ano 1 > n. 9 > fev|2015

Comentários sobre “As Antigas Farmácias de Porto Feliz: Entre Fórmulas, Afeto e História.

  1. Sou neta de Floriano Torres quando morei em Porto Feliz entre os anos 1968 até 1970, lembro da farmácia do tio Aristides onde os medicamentos eram feitos por ele ( bolinhas homeopáticas que em poucos dias estavamos curados). Também a Farmapires onde precisei de curativos por uma queimadura no braço e uma picada de abelha onde fui atendida com todo amor e carinho. A farmácia do Eliasar onde a minha avó Alcides comprava os seus remédios, e a farmácia do Zé onde sempre passava para pesar na balança. Tempos bons que me traz muita saudades.

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