Entre tintas, sonhos e recomeços: a trajetória de Sidnei Martins

Entrevista
Sidnei Correia Martins fala sobre seu talento e os desafios que enfrentou para manter sua arte viva até hoje
Viver de arte é o sonho de quem nasce com talento para essa área. No entanto, realizar esse sonho é, na maioria das vezes, difícil — mas não impossível. Alguns alcançam esse objetivo cedo, outros, mais maduros. Sidnei Martins, 54 anos, descobriu desde jovem sua vocação para a pintura e, com o incentivo de muitas pessoas e muita dedicação, sempre deu um jeito de manter sua arte viva — com ou sem retorno financeiro. A paixão é tão grande que, até hoje, ele concilia seu trabalho formal com a arte, fazendo caricaturas na Fazenda do Chocolate, em Itu, e mantendo um escritório em casa, onde se dedica a aprimorar suas técnicas. Nesta entrevista, Sidnei conta um pouco da sua trajetória e dos desafios que enfrentou para conquistar seu espaço. Confira:

Você é gente de quem?
Sou filho de Luiz Correia Martins e Rosalina Teles Martins. Meu pai é da Cruz das Almas, e minha mãe do sítio Água Branca, dois bairros na divisa de Porto Feliz e Boituva. Meu pai era soldador da Usina, minha mãe trabalhou na Fábrica de Tecidos, e foi aqui na cidade que eles se conheceram. Sou o caçula de oito filhos. Nasci em 1963, pelas mãos do Dr. Antoninho, na mesma casa onde mais tarde montei meu primeiro negócio: justamente no quarto onde nasci, criei o escritório da Studio A.

Desde quando desenha?
O desenho faz parte de mim desde que me conheço por gente. Sempre gostei de desenhar. Um dos meus maiores incentivadores foi o saudoso professor Nelson Moraes. Foi por meio dele que conheci o Bolinha (José Luiz Torres Pinto), meu primeiro professor de desenho.

Como aprendeu a desenhar?
O Bolinha me emprestava livros para eu treinar em casa e depois levava os desenhos para ele corrigir. Aprendi estudando traços, esboços, perspectiva, luz e sombra. Enquanto meus amigos saíam para paquerar nos fins de semana, eu ficava desenhando o dia todo. Depois, frequentei por um ano o ateliê do Bolinha no Beco das Artes, em Itu, até ele se mudar para São Roque.

Seus pais apoiavam?
Minha mãe não muito — dizia que isso não me daria futuro algum. Já meu pai era um grande incentivador. Dizia que meus desenhos eram bonitos (risos).

Como você via a arte?
Sempre me imaginei vivendo de arte. Mesmo trabalhando para ajudar em casa, nas horas vagas eu me dedicava ao desenho. Trabalhei no Armazém do Melaré e, depois do quartel, fui para São Paulo em busca de oportunidades, após cursar um ano de faculdade no Ceunsp, em Itu. O curso era fraco, e eu queria mais.

E em São Paulo, como foi?
Tinha 20 anos. Fiquei na casa do meu irmão por um tempo. Queria estudar na FAAP ou Belas Artes, mas não tinha condições financeiras. Arrumei um emprego no Shopping Iguatemi e comecei a estudar arte por conta própria. Depois, encontrei a Escola Panamericana de Artes (EPA), onde fiz três anos de curso — o primeiro só de desenho, e os dois seguintes focados em publicidade.

Sidnei em seu primeiro emprego na área da comunicação, em São Paulo.

Como conciliou estudo e trabalho?

Passei num teste e entrei no Bradesco. Ganhava menos, mas tinha fins de semana livres. Nesse período, produzi muito artisticamente. Trabalhava de dia e, à noite e aos sábados, estudava na Panamericana.

Conseguiu trabalhar com desenho?
Sim. Um aluno de outra unidade da EPA me indicou para uma vaga na agência Magenta Comunicação. Lá, eu era responsável por toda a parte de desenho. Fazia ilustrações gigantes em papel kraft. Era tudo manual — os computadores ainda não dominavam o mercado.

Por que voltou para Porto Feliz?
Com 22 anos, comecei a sentir rigidez nos dedos e fui diagnosticado com reumatismo. Depois descobri que, na verdade, era lúpus. Tive que me afastar da agência e, quando voltei, ela havia fechado. Voltei para Porto Feliz.

Como foi o recomeço?
Deus sempre foi maravilhoso comigo. A Gláucia, esposa do Dr. Léo, me chamou para fazer ilustrações para serigrafia. Um irmão meu me ajudou a comprar uma máquina. Foi aí que nasceu a Studio A, que durou 18 anos. Fazíamos de tudo: camisetas, painéis, fachadas, embalagens, placas, convites…

Foi difícil?
Todo começo é difícil. Mas tive persistência. Participei de um concurso de CorelDRAW em 1996 e fiquei em 3º lugar. Estudei muito. Passei a dar aulas de CorelDRAW e, depois, criei um guia impresso sobre o comércio local. Saía de bicicleta vendendo os espaços, faça sol ou faça chuva.

Por que a Studio A fechou?
Minha família decidiu vender a casa onde funcionava o estúdio. Meus irmãos se aposentaram e fiquei sozinho, sem condições de continuar.

Como lidou com isso?
Guardei dois exemplares de cada trabalho. Planejava fazer uma exposição. Mas quando fui buscar esse material, meus irmãos já tinham jogado tudo fora. Chorei muito.

Como recomeçou mais uma vez?
O Vinícius Santos me chamou para criar um portal de classificados, o Guia Porto Feliz. Lançamos com um evento no Recanto da Lua. Mas ele se casou e foi morar no Paraná. Aí parei com tudo. Passei por algumas gráficas, trabalhei na RL Comunicação, depois na Toroli e no Porto Caixas, até chegar ao Barracão, onde estou até hoje como vendedor.

Parou de desenhar?
Nunca. Sempre busquei espaço para a arte, mesmo nas horas vagas. Hoje, tenho meu cantinho em casa, um escritório onde continuo produzindo todas as noites.

Quando começou a fazer caricaturas?
Logo após sair da EPA, em São Paulo, vi artistas fazendo retratos na Praça da República. Peguei duas cadeiras e fui também. Aos poucos, comecei a treinar caricaturas — a primeira que fiz da minha esposa, ela rasgou (risos). Em festas de família, comecei a praticar, depois vieram os eventos. Nunca mais parei.

Vive só de arte hoje?
Não. Trabalho durante a semana e, nos fins de semana, faço caricaturas. Quando não havia evento, ia à Gruta e ficava esperando turistas. Fiz desenhos históricos onde o rosto era personalizado com o retrato do visitante. Até ganhei autorização oficial para atuar lá.

E a Fazendinha do Chocolate?
Comecei fazendo caricaturas em Itu, mas depois a prefeitura proibiu quem não era da cidade. Entrei em contato com a Fazendinha do Chocolate e fechei uma parceria. Pagava 40% do que ganhava, mas valia a pena — cheguei a tirar até R$ 600 por dia. Minha esposa não acreditava (risos).

Você ensinou muita gente a desenhar?
Sim. Dei aulas na escolinha da Vanilda, depois na minha garagem, no ateliê do Juliano Dalsóglio, e hoje voltei a dar aulas com a Vanilda, no centro, em cima da Farma Ponte.

O que falta para Porto Feliz?
Nasci aqui e quero morrer aqui. Falta resgatar as raízes, as festas típicas, o interesse pela cultura local. A gruta está vazia, as crianças só querem videogame. Eu tento reacender o interesse com postagens nas redes sociais. Quero muito ver a cidade voltar aos tempos áureos.

Artistas costumam ser sonhadores. Qual é o seu maior sonho?
Meu maior sonho é fazer um livro ilustrado sobre as monções. É meu projeto de vida, algo que quero deixar para as próximas gerações, para que a nossa história não se perca. Quero deixar minha assinatura nessa grande obra de arte que é a vida.

 

Auto Retrato

Entrevista publicada na Revista BemPorto Ano 3 > n. 34 > março | 2017

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